segunda-feira, 9 de maio de 2016

Nise, o coração da loucura


Nise da Silveira é uma figura incrível. Sua trajetória é emblemática para diversos grupos sociais, das feministas aos profissionais de saúde mental. Sua importância política é simbólica. Digo isso, pois personagens assim, contemporâneos, fortes, que habitam o nosso imaginário, são muito difíceis de ser apreendidos dentro das prerrogativas de uma certo padrão pré-fixado, clássico, de narrativas cinematográficas. Isso ocorre por que essa colagem com o real, opção muito comum, sufoca a própria narrativa e flerta muito próximo com as ciladas de tentar dar conta da vida do cinebiografado na sua totalidade, por exemplo, formando um mosaico confuso, frágil e encadeado dentro de uma logicidade que a própria personagem rechaçava (vide o roteiro dela para Imagens do Inconsciente).

Eu tinha a impressão de que esse filme seria assim. E foi. Há muita coisa previsível nele. Há fragilidades no encadeamento narrativo. Há um maniqueísmo e um formalismo nos procedimentos técnicos que se distanciam e muito da própria Nise. Talvez eu esteja muito impregnada com a imagem da senhorinha que fala à câmera de Leon Hirzsman e que eu tinha revisto em parte em janeiro...


Nise esteve presa por algum tempo. Em Memórias do Cárcere, seu conterrâneo, Graciliano Ramos, menciona sua presença, definindo-a como tímida, inteligente e obstinada. Certamente essa experiência e a sua aproximação com o marxismo foram fundamentais para a sua trajetória profissional. No entanto, essas informações foram menosprezadas no filme. Respeito a autonomia das escolhas que o diretor empreende, mas não posso deixar de perceber a sua atuação como médica, naquele hospital psiquiátrico no Engenho de Dentro, esteva impregnada da sua formação política.

A direção de câmera também me incomodou muito no início do filme. Tive a impressão de não haver uma planificação, algum planejamento, pois os movimentos e a instabilidade, somados aos cortes e enquadramentos me davam a impressão de insegurança. Em outra ponta, havia um flerte com alguns cacoetes de comportamento de câmera que são bens comuns em filmes que tentam escapar das convenções técnicas. Como aquela parada que a distância acompanha o desenrolar da cena sem movimentar-se. O plano de abertura, nesse sentido, foi o que mais me incomodou.

A forma como os grupos de personagens foi construída também não me soou legal. Nise, a heroína, os pacientes, as vítimas do sistema, e os médicos e a equipe técnica do hospital, os insensíveis corruptos, incomodaram-me um pouco. Acredito que esta escolha torna tudo excessivamente superficial.

A direção de atores está bem legal. Acho que Glória Pires se saí bem dentro da proposta do filme.


As imagens finais com trechos do filme Imagens do Inconsciente do Leon Hirszman (um dos meus cineastas favoritos. Falarei melhor dele outro dia) também parecem ser desnecessárias.É o diretor pagando tributo ao real, negociando com a nossa memória sobre ela...

Mesmo com essas considerações que pontuei, o filme é válido. É importante revisatarmos Nise. É importante o público ter contato com figuras como Mário Pedrosa e Fernando Diniz.É importante pensar em políticas de saúde mental menos assujeitadoras. É importante defendermos a não institucionalização banal dos pacientes psiquiátricos.


Link do filme do Hirszman: https://www.youtube.com/watch?v=oJqjlr5TJVw




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